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As Horas.

Olho as horas, em que o tempo passa. Passa ao lado ou não passa. Olho as horas e elas paradas, alheadas de mim, sem significado.
Horas em que vou vivendo uma das minhas duas vidas, a que quero que passe rapido, mas é lenta. Foi a vida que me preencheu e animou, aquela a que me agarrei quando a outra vida nada tinha, foi a vida da realização pessoal, a vida em que eu fiz acontecer e onde tudo acontecia, a exterior. Mas agora parece que parou, ficou vazia.
A outra, a interior, é aquela que outrora foi vazia, mas um dia encheu, tornou-se grande, repleta, transbordante e essa corre fugidia. Passa rapida, sem que dela tire o proveito que lhe devo, sem que eu esteja vivo nela.
O pior é que a vida vazia, vaza para a cheia e arrasta para ela aquilo que nela criou a desilusão as horas perdidas, fazendo da cheia, não tão cheia, ou cheia de pequenos vazios e ela não cresce como devia.
Olho paras as horas, e elas não passam. Olho para a vida, e ela vazia e parada. E tarda a vir a vida cheia que logo passa. Sem que no que se passa, eu me deleite. Fica a vida vazia que tantas horas leva a passar.
E a hora que não passa, e nada se passa na hora que passa, nesta vida em que tanto passei, e tanto sonhei passar, mas que agora parou. E á vida em que tudo se passa nunca mais passa, e quando finalmente a passo, a outra corre. As horas, são minutos ou minutos são as horas, dependendo das vidas por mim vividas.
E as horas que não passam, ou passam sem passar. O relogio do tic faz tiiiic e do tac taaaac, e o tempo teima lento em não passar. E eu desespero enquanto espero com ansia pela vida que salta e ri e logo passa. E ela tarda em não vir. E a esta tarda em ir.

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