Skip to main content

Lá fora!

Vive ignorante, passa tempos incontáveis deitada, contente pois o seu mundo é aquele, pequeno mas seguro no seu silêncio, cada vez que se atreve a espreitar o que lá fora existe, foge nervosa para dentro da casa.
É o conforto e tranquilidade dessa sua casa, que lhe dá a segurança, lá fora tudo parece grande e avassalador, causando-lhe um pânico ridículo, e lá vai ela, que de novo se esconde.
É a confusão, o ruído das pessoas que correm, as obras que nunca terminam, os gritos das crianças que brincam, os comentários dos homens nas suas pequenas discussões mundanas e triviais, que a assusta. É, o “lufalufa” do dia a dia, tão normal para os outros mas assustador para ela, na sua grandeza, nos seus ruídos dos carros a passar, das travagens que gritam como mortes anunciadas, que a aterra.
De quando em quando, debruça a sua cabeça da janela e pasmada enquanto olha, não percebe o à vontade das crianças que correm livres, pondo-se a si em perigo, das pessoas que passam descontraidas sem sequer olhar à volta em desconfiança. Na sua incompreensão sente de novo o medo, e rapidamente retira a tremula cabeça daquela frecha de janela que por momentos a ligou ao que lá fora vai, e que tanto horror lhe causa.
Vive naquele seu pequeno castelo, seguro, intransponível, resguardada pela muralha das paredes que a escondem e protegem. Guardada no seu isolamento dos medos.
Dos outros só quer o carinho, nada mais exige. Mas mesmo esses quando aparecem, vêm assustadores, ameçadores com as vozes altas e ruidosas, com os movimentos nervosos das tensões da vida. E ela sente uma vez mais o pânico, e tenta logo refugiar-se, sem ter mais onde se esconder, rápida corre para a cama numa tentativa de fuga, pensa por momentos em atirar-se para baixo dela e fazer daí o seu retiro. Mas não, fica apenas ali parada a olha fixamente para a porta, em terror, apavorada, rogando que a li a deixem ficar, que não a tentem obrigar a sair, que não a obriguem a ver o que lá fora existe.
E é sempre assim, até vir a calmia, o descanso, até os outros irem, ou pelo menos pararem e silenciarem, aí avança cautelosa, e vai em silêncio para o pé deles, primeiro observa, com calma, de longe, esperando que não reparem na sua existência. Depois cautelosa caminha até ao sofá e aí fica o tempo que tarde, até vir um gesto de carinho que a tranquilize, ou berro ou gesto brusco que a assuste, quando lhe falam treme, sem nunca saber destinguir o recriminar do elogiar e esperando sempre o pior.
Acaba, sem falhar, por fugir, por se esconder, pois lá fora a vida é grande, mas nem cá dentro é segura, para quem sente sempre medo, e tudo o resto assusta.
Para quem vive isolado tudo se vai tornando maior e perigoso, o espaço cresce, cada vez mais difícil é ter refúgio, cada vez soam mais altos os ruídos, os gritos. Tudo se agiganta, o mundo torna-se esmagador, nas sombras nascem os perigos invisíveis e a luz essa magoa.
Quando os outros finalmente a deixam, fica ali mais uma vez deitada, teme por eles lá fora naquele mundo aterrador, na vida assustadora, receia o que lhes fará o dia a dia ameaçador, o perigo do seu não regresso, da solidão do abandono, do fim que sempre chega.
Mas ela, pelo menos, tem ainda o abrigo daquela casa, as horas de sossego para se tranquilizar, para viver no descanso do seu refúgio de calmia passageira e reconfortante. O que para os outros seria uma prisão para ela é uma muralha protectora, um escudo que a esconde, um refúgio de silêncio.
O que ela desconhece no seu retiro de ignorância, é que o medo, por si sentido, que a leva a esconder, é por muitos partilhado. Que tantos outros têm medo de sair, de se expôr, de sentir, de viver, ou reviver aquilo que sempre existe e os magoa, das más notìcias, das dores, e que esses não são como ela, uma Gata de casa! São sim pessoas que na sua consciência humana temem, e não um animal doméstico apenas assustado pelo que o instinto dita.

Comments

Anonymous said…
Gypsy blogging
By INQ7.net MEET Gypsy Girl, our YOU Blog Addict of the Week. Got a blog? Interested in being featured? Just e-mail joeyalarilla@gmail.com. You could be the next YOU Blog Addict.
Your work is to discover your world
and then with all your heart give yourself to it.

The Buddha
The "Enlightened One"
year of the dragon site/blog. It pretty much covers year of the dragon related stuff.
Anonymous said…
Katrina: I Hate Hurricanes Forever
First, I apologize about a lack of updates, but I've been working. I got away from the group for a day and went up north to the house of Miss Gerri, who may be one of the most open, compassionate women I've ...
I love your blog! It certainly looks like you spent a log of time and effort on it! I'm definitely going to bookmark you!

I have a odyssey golf putters site. It pretty much covers odyssey golf putters related stuff.

Come and check it out if you get time :-)

Popular posts from this blog

A.A.

Falar para um grupo de terapia é sempre constrangedor, já se esteve ali sentado a ouvir os outros, já se conhece o molde em que é feito, mas tudo o que se possa dizer parece agora pouco, o que nos levou lá parece insignificante perante as outras vidas. Ele estava ali em pé parado, silencioso perante um grupo que o olhava ansioso, esperando a relativização dos seus próprios problemas. Se o seu mentor não o tivesse empurrado, nunca teria tido sequer a coragem de tentar. Sabia que tinha de começar, só que na garganta estava um nó que lhe negava o verbo. Começou por balbuciar imperceptíveis palavras, entre gaguejos e entaramelares, a sua vida foi aparecendo lentamente. O olhar atento dos outros motivou-o a continuar. A sua vida era um caos, nascera debaixo de uma austera educação católica que o levara a tornar-se num menino da Igreja devoto e solidário, uma boa alma virtuosa, incapaz de pecar. Vivia uma existência crente que lhe criara bloqueios, num mundo agressivo e violento que con...

Deus perdoa, eu não.

Vai rápido na sua lambreta, sem medo de nada, não há perigo que assuste Amilcar, cresceu a trabalhar pedra e o mármore faz de um homem um duro. A pressa que o leva é o amor ao seu Benfica, tem de chegar ao Preto & Branco antes que o jogo inicie. De Pêro Pinheiro ao Algueirão Velho ainda é um esticão, mas ali no P&B sempre há as gajas para comemorar a vitória. Finalmente chega ao seu destino, desmonta da Zundap sem perder a pose, sai calmo, tira o capacete naquele gesto que o caracteriza, puxa o escarro do pó que carrega nos pulmões, lança com desprezo para o chão aquela morte que vem dentro dele por nunca usar a máscara, pois isso não é coisa de homem. Entra no P&B, para trás deixa a moto que no depósito tem escrito a frase que tudo diz sobre ele: “Deus Perdoa, eu não.” O jogo começa, pede cerveja, uma a seguir à outra entremeada de 1920, pois vai ser um dia de festa e Amilcar não quer perder nem um segundo. O jogo vai correndo, a cerveja embriagando e o ânimo crescendo. Já...

IN Diferente.

A propósito da escrita e do políticamente correcto, saíu na Xis deste fim-de-semana uma reportagem sobre o tema, “Dislexia Diferença e não Doença”. Não querendo atacar, de forma alguma, o texto certamente bem intencionado e bem estruturado da Jornalista Ana Gomes, não deixa de me incomodar no entanto esta prisão linguística que foi impreguenado no discurso moderno, o tão chamado e utilizando um jarguão jornalístico, políticamente correcto. Essa clausura da palavra, que leva a um suavizar das expressões e que embora sirva para impedir que se firam susceptibilidades em pessoas mais sensíveis, retira a carga dramática que os substantivos e adjectivos utilizados para tipificar as questões devem ter. Olhando esta peça escrita para informar, encontrei o mote para este texto que andava a remoer, palavras brandas retiram por vezes a profundidade ao problema, e embora compreenda a gravidade do tema em questão e a necessidade de uma abordagem sensível, pois a reportagem trata de uma deficiência...