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A.A.

Falar para um grupo de terapia é sempre constrangedor, já se esteve ali sentado a ouvir os outros, já se conhece o molde em que é feito, mas tudo o que se possa dizer parece agora pouco, o que nos levou lá parece insignificante perante as outras vidas. Ele estava ali em pé parado, silencioso perante um grupo que o olhava ansioso, esperando a relativização dos seus próprios problemas. Se o seu mentor não o tivesse empurrado, nunca teria tido sequer a coragem de tentar. Sabia que tinha de começar, só que na garganta estava um nó que lhe negava o verbo. Começou por balbuciar imperceptíveis palavras, entre gaguejos e entaramelares, a sua vida foi aparecendo lentamente. O olhar atento dos outros motivou-o a continuar. A sua vida era um caos, nascera debaixo de uma austera educação católica que o levara a tornar-se num menino da Igreja devoto e solidário, uma boa alma virtuosa, incapaz de pecar. Vivia uma existência crente que lhe criara bloqueios, num mundo agressivo e violento que con
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Cedo!

Acordei cedo, olhei para o lado e o lado ainda não olhava para mim. Era cedo. Passei algum tempo a olhar o vazio escuro, que por cima de mim estava. É engraçado como, por vezes, nos revemos de tal forma no vazio. Como é possível ver nele boa parte da nossa vida, sem que nos pareça estranho ou mesmo assustador, olhar um espaço em que nada há e aí vermos desfilar o que fazemos. Não que seja vida vazia, mas de facto não chega a ocupar aquele espaço de breu. Passa perante os nossos olhos, informação solta e cheia de lacunas. São imagens perdidas que naquele entorpecimento matinal desfilam lânguidas. Vão passando, sem nada querer dizer. Deixando apenas entrever aos poucos o escuro que nos cerca no momento. Esse escuro que nostálgico não nos vai deixar durante o resto do dia. Cansado desses laivos de vida, calei-os. Decidi que não os cria mais a cirandar na minha frente. Concentrei-me de novo no escuro, já não era tão escuro. Uma pequena dose alvor já o aclarava. Aos poucos os meus ouvidos f

Mundial

Vantagens de um mundial perdido: Deu alento, a este País pequeno. Deu orgulho, em quem nos representa. Deu conversa animada, a um povo triste. Deu para mudar o governo, e ninguém notar.

Um Ano,

Um ano! Faz um ano que escrevo aqui, impune. Mantenho uma media de falta post’s vergonhosa. Incoerente e incongruente criei um blog para falar de dislexia e acabei a escrever textos enormes e “despontuados”, como se do Saramago me tratasse. Mas este é sem duvida o dom do meio. Pode fazer-se o que se quer, sem obrigação temática ou temporal. Escrevo, edito e ninguém tem nada a ver com isso. É a liberdade autoral, é o caderno aberto em que se escreve, e em que se acaba por ter três leitores. O que não é mau, tendo em vista que se trata de um não escritor, ainda por cima dislexico. Por isso mesmo vou continuar a escrever, como sempre impune, incoerente, inconstante e sem duvidas dislexico.

Setimo Dia

Era o sétimo dia, estava ele ali sentado quieto a descansar, agradava-lhe o geral da criação. Olhava e sentia contentamento com o que havia criado. Aproximou-se dele Gabriel, o raio do arcanjo vinha de novo com aquele ar de preocupado. Que chato ter criado seres tão perfeitos, sempre preocupados com tudo e com todos. Mas pronto tinha de os perdoar afinal de contas, assim assexuados, tinham de inventar coisas para se entreterem e para imperfeito já chegava aquele que saiu com defeitos o Lucifer. Gabriel, aproximou-se e com a sua habitual delicadeza, questionou sobre a preocupação que tinha no momento. Teria Deus contemplado os humanos com a eternidade como fizera aos Anjos, e se o fizera aonde haveria espaço para os arrumar todos no céu, visto que seriam tantos ao longo tempo. Então Deus condescendente olhou Gabriel, e pensou que de facto poderia conviver a eternidade com todos estes seres que nunca o compreenderiam. Deus prometera a eternidade aos humanos, mas não sobre a forma de vida

IN Diferente.

A propósito da escrita e do políticamente correcto, saíu na Xis deste fim-de-semana uma reportagem sobre o tema, “Dislexia Diferença e não Doença”. Não querendo atacar, de forma alguma, o texto certamente bem intencionado e bem estruturado da Jornalista Ana Gomes, não deixa de me incomodar no entanto esta prisão linguística que foi impreguenado no discurso moderno, o tão chamado e utilizando um jarguão jornalístico, políticamente correcto. Essa clausura da palavra, que leva a um suavizar das expressões e que embora sirva para impedir que se firam susceptibilidades em pessoas mais sensíveis, retira a carga dramática que os substantivos e adjectivos utilizados para tipificar as questões devem ter. Olhando esta peça escrita para informar, encontrei o mote para este texto que andava a remoer, palavras brandas retiram por vezes a profundidade ao problema, e embora compreenda a gravidade do tema em questão e a necessidade de uma abordagem sensível, pois a reportagem trata de uma deficiência

Cabessundo.

Havia em Africa uma pequena tribo antiga chamada Pirunda. Fazia parte de uma grande nação Africana, que estava disseminada por quase todo o Continente. Essa pequena tribo, que na realidade não tinha grande importancia para a nação a que pertencia, povoava um deserto pouco produtivo e seco mas batia-se brávamente pelo território com as tribos vizinhas. Ela era controlada por um soba capaz, que lutava com força pela tribo. No entanto, chegou um dia à tribo, um feiticeiro charlatão de nome Cabessundo, enviado por um dos sobas superiores da nação, para assumir o comando da tribo. Essa decisão não foi tomada por fé nesse novo líder, mas sim porque o feiticeiro ameaçara com um mau olhado o soba superior, se este não lhe arranjasse uma tribo para comandar, e ele como era velho e vivia aterrorizado com a morte, enviou-o para a tribo mais afastada que lhe ocorreu. Com a chegada desse feiticeiro, o soba da pequena tribo pensou ainda durante uns tempos que seria capaz de aguentar a tribo unificad

Deus perdoa, eu não.

Vai rápido na sua lambreta, sem medo de nada, não há perigo que assuste Amilcar, cresceu a trabalhar pedra e o mármore faz de um homem um duro. A pressa que o leva é o amor ao seu Benfica, tem de chegar ao Preto & Branco antes que o jogo inicie. De Pêro Pinheiro ao Algueirão Velho ainda é um esticão, mas ali no P&B sempre há as gajas para comemorar a vitória. Finalmente chega ao seu destino, desmonta da Zundap sem perder a pose, sai calmo, tira o capacete naquele gesto que o caracteriza, puxa o escarro do pó que carrega nos pulmões, lança com desprezo para o chão aquela morte que vem dentro dele por nunca usar a máscara, pois isso não é coisa de homem. Entra no P&B, para trás deixa a moto que no depósito tem escrito a frase que tudo diz sobre ele: “Deus Perdoa, eu não.” O jogo começa, pede cerveja, uma a seguir à outra entremeada de 1920, pois vai ser um dia de festa e Amilcar não quer perder nem um segundo. O jogo vai correndo, a cerveja embriagando e o ânimo crescendo. Já