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Aldeia de Santa Isilda.

António, vivia solitário naquela pequena aldeia abandonada de Santa Isilda, um lugarejo em torno de uma estrada poeirenta. A sua única companhia era o Tio Manel, da “Tasca do Tio Manel”, que com poucos clientes para servir, ía com ele travando longos debates em verdadeira tertúlia amena sobre “bola” e política, regada e bem regada a copinhos de fundo de 3 e água-ardente de medronho. De quando em quando, aparecia o Zé da oficina e o seu ajudante, e comentava o carro que rebocara de véspera ou o calendário novo.
De resto para novidades, tinha que aguardar o telejornal. Via-o em silêncio na mesa do fundo, depois erguia-se lentamente porque o seu tempo era muito e o que fazer pouco, ia até ao balcão e falava calmo sobre as notícias que acabara de ver. Normalmente o Tio Manel, aproveitava o fim do diálogo para lhe dar para ler o Correio da Manhã, a geito de vai lá sentar-te que o nosso tema de conversa já se esgotou.
Voltava então, naquele compasso de quem não é aguardado, para a mesa do canto e lia calmo as gordas, porque os olhos ebrios já não focavam as outras. Um pouco depois, pedia delicado um copo mais, e assim ia ficando o tempo que faltava para a hora de dormir.
António pensava sempre, ali sentado no seu canto, como era triste a reforma antecipada que tinha vindo do fecho da estação da CP. Ao menos naquela altura, de hora a hora dava sinal aos comboios e de vez em quando aparecia um turista, que perguntava pelas minas e os seus lagos, ou pela Igreja de Santa Isilda. Vinham a engano porque da Igreja já só sobravam as ruinas, e os lagos esses eram charcos. Mas ao menos, enquanto não se desenganavam lá o iam entretendo.
Perdia-se nestes delírios naquele dia, pensando nas saudades que tinha da altura que na sua rotina laboral, o tempo corria um pouco mais rapido. No entanto, aquele dia reserváva-lhe ainda uma nova animação e conversa para uns tempos.
Estava ali parado a pensar e a fingir que lia o Correio da Manhã, quando parou em frente da porta da Taberna o carro. Era um mercedes daqueles grandes. De lá saíu um homem com aquele ar de Pato Bravo de Lisboa, oculos escuros Rayban, camisa às riscas aberta, fio de ouro e pulseira “Tuckeson”. Ar de dono do mundo ou de quem o vai comprar. Acompanhava-o uma daquelas moças, que devia ter conhecido nas noites. Entrou na tasca e sem delicadeza, virou-se para o Tio Manel e disse:
“- Ó chefe! Onde ficam as minas?”
Aquela voz de bruto, fez tremer o franzino Tio Manel, que com aquele gaguejar típico de quando estava nervoso, respondeu entre dentes:
“Esta estrada que aqui passa, por lá acaba. Sabe? Esta aldeia servia às minas, e agora já não tem grande serviço.”
A voz de bruto largou um seco “Tá bem” e foi-se embora, seguido pela rapariga loira falsa carregada de pinturas e jóias.
António levantou-se lentamente, passou pelo balcão, onde largou baixinho um, “Grande bruto que me saíu este.”, e foi para a porta onde ainda viu a poeira que o carro deixava para trás enquanto seguia apressado. Aí, ficou um pouco com o Tio Manel ao seu lado. Os dois silenciosos, olhavam para o sítio por onde tinha ído o Pato bravo no seu Mercedes.
Mal se preparavam para voltar aos seus costumeiros quando apareceu a tia Alcinda. Coscuvilheira como sempre foura, vinha lançada em perseguição de novas, embora não entrasse na Tasca pois isso não era sítio de mulher decente, não resistiu a saber o que se passara. Depois de inquirir sobre todos os pormenores, largou a bomba a demonstrar que ali da sua janela tudo sabia, e desta feita tinha sabido pelo Carlos lá de Lisboa, que esse homem devia ser o novo dono das minas. Ouvira dizer que ía transformá-las num conjunto Hoteleiro, fazer dos charcos lagos e daquelas terras desventradas de mina a céu aberto, um campo de Golfe. Depois, como se de nada de importante se tratasse e com a missão cumprida de propagar o boato, desabrida foi ter com a dona Maria, sua companheira de janela e de troca de informação.
Para trás, ficou o Tio Manel, com o sorriso de quem pensava que do bruto afinal podia vir coisa boa, talvez assim houvesse trabalho para o seu filho e ele pudesse regressar lá de França. E ao António, ficou a esperança de ânimo naquela sua vida cheia de tédio, e quem sabe de emprego que lhe ocupasse os dias.
Foi tema para semanas, conversas amenas e animadas, com o Zé da oficina, seu ajudante e o Tio Manel. Agora com novo alento, tentavam simular o que aí viria, as pessoas que traria tal emprendimento, as possibilidades do futuro. Foi tema que durou, mas mais tarde ou mais cedo, como tudo naquela paquatez se esgotou e foi esquecido.
Passára já muito tempo e do bruto não havia memória, quando vieram finalmente as máquinas, e se deram início às mudanças.
Passavam em fileiras grandes, no seu amarelo sujo, carregádas de homens, que vinham para trabalhar.
Começaram esses homens aos poucos a povoar a tasca, o que ao Tio Manel deu ânimo. Vê-los ali com as suas mãos curtidas, a segurar nos copos e nas horas de almoço nos pregos e bifanas. Quanto ao António, ficou para ali largado na mesa do fundo com a sua solidão redobrada, porque quer o Manel quer o Zé, que tinha tambem ele a oficina cheia, de tanta azáfama, já não tinham tempo para trocar nem dois dedos de conversa e para ele assim ainda mais monotona era a vida.
Um dia, só! Ali no canto começou a pensar, que no futuro tinha de arranjar, o que fazer. Afinal, até a Tia Alcinda andava a cozinhar uns pasteis para fora com que enchia as marmitas dos trolhas, e andava a fazer umas massas à conta disso!
Pensou muito e finalmente telefonou ao seu padrinho velhote lá em Alcácer, afinal ele tinha conseguido fazer negócio e era agora um homem rico, mesmo sem nunca ter aprendido a ler, e como tal não conhecia ninguem que melhor conselho, lhe pudesse dar.
O padrinho, contente por ouvir a vóz do António que há muito não lhe dava novas, rápido pôs a sua mente esperta de Galego a trabalhar numa solução para o problema do sobrinho, e disparou prontamente que o que estava a dar dinheiro, lá em Alcácer, eram as casas de frangos no churrásco, ou que pelo menos o seu Compadre Joaquim estava rico à conta disso.
Depois na sua alegria comum e no amor que tinha ao afilhado, disse-lhe logo que pegasse na sua antiga mercearia de Santa Isilda, que estava fechada, visse como estava, e que de seguida se dirigisse ao banco que ele dava as garantias ao gerente, e que contraisse um empréstimo, pois ele ia fazer dele Sócio.
António, animádo, assim fez. Numa correria que não lhe era habitual, mas que lhe vinha dessa esperança renovada de uma vida nova, tratou do empréstimo e rápidamente era sócio e proprietário da Churrasqueira o Galego, assim baptizada em homenagem ao Padrinho.
Com o ânimo que estava, começou mesmo a servir umas Moelas e uns Pipis, e rápidamente fez clientela que bebia cerveja a acompanhar os pitéus .
Vinha o Bruto que deixáva belas gorjetas no fim das refeições, que soube então que se chamava Dr. Inácio, sempre acompanhado pela rapariga do costume, que dizia ser sua secretária mas a quem discretamente punha a mão na perna por baixo da mesa.
Vinham os arquitetos da obra com os empreiteiros, que lhes pagavam Whiskies numa tentativa de os levarem a fechar os olhos aos atrasos. E que deixavam assim umas belas contas no final.
Vinham mesmo os Pedreiros, nos dias de festa e no fim das semanas depois de receberem a jorna e enfrascavam copos até ao fecho, ou até serem expulsos pelo António, que agora próspero já não tinha paciência para gente bêbeda, mesmo estando esses bêbados a deixar por lá o que tão arduamente ganhavam ao longo da semana. Mas eles voltavam sempre, pois tão perto não havia outro sítio tão bom de petiscos.
Eram tempos bons para o António, vivia agora alegre com a agitação que ía na aldeia, e com o seu bolso tão cheio como a churrasqueira. Do Padrinho só vinham boas ideias para petiscos e visitas de tempos a tempos, para receber o cheque da sua parte no negócio e, quando se ía embora, o Galego deixava sempre para trás uma palavra de orgulho no afilhado.
Mas veio o dia em que o Dr. Inácio, “o Bruto”, mais uma vez foi o portador da mudança, entrou na Churrasqueira o “Galego”, e alto como só ele sabia falar, naquela voz do dono, gritou à sua gente que bebessem à vontade porque ele queria brindar, e que naquele dia os copos eram por sua conta.
Curioso e esperançado em que os tempos se tornassem ainda melhores, António aproximou-se apressado do Dr. Inácio e perguntou-lhe ao que brindava ele, e qual razão de tanta alegria, e então veio de choufre a notícia. O raio do bruto, tinha finalmente conseguido a autorização de ligar as minas á Autoestrada, e como tal, os seus homens e de seguida os Turistas que viriam, não teriam mais de passar por aquela estrada poeirenta da aldeia de Santa Isilda. António, de um momento para o outro, perdeu o sorriso de homem bem sucedido. Ficou ali parado, sem saber o que dizer, desiludido e viu que a esperança da sua adeia estava agora perdida. Viu o que aí vinha, o abandono a que todos seriam vetados de novo, o esquecimento em que caíria Santa Isilda.
Com o tempo, o acesso à Autoestrada foi contruído, os pedreiros, foram-se embora e poucos eram os Turistas atraídos pela Churrasqueira do Galego, pois lá em cima nas minas havia restaurantes, mas pelo menos ía dando para manter o negócio, embora agora mais humilde e sem os elogios do Padrinho.
Pior sorte tivera o Tio Manel da Tasca, pois ficara sem clientes. O Zé da oficina e o seu ajudante preferiam os petiscos do Galego, e à Tasca já ninguem ía. O filho do Manel não voltou de França, porque já havia por lá se arranjado, e o pobre do Manel assim desesperançado, fechou a tasca. E começou a sentar-se franzino numa mesa do canto da Churrasqueira do Galego. O António, em memoria de outros tempos, compra-lhe para além do Correio da Manhã, o Tal&Qual e assim ele se vai entretendo, enquanto bebe uns copos.
Quanto à aldeia se Santa Isilda, voltou a caír no esquecimento da sua estrada poeirenta, porque o progresso passa ao lado destas terras sem esperança, onde as pessoas passam o tempo sem pressa, e sem quem os apresse. As senhoras continuam a falar de janela para janela e o António vive por lá ainda, agora entretido com os seus petiscos, mas sem tema de conversa para alem da “Bola” e da Política e com poucos clientes para servir, aguarda ansioso pelo Telejornal, para poder de seguida ensetar conversa com o seu companheiro de sempre, o Tio Manel.

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